Madeira abaixo
É de uma ironia de muito mal gosto viajar ao longo do Rio Madeira, um dos rios com um dos maiores volumes d’água do mundo, e encontrar comunidades ribeirinhas sem água tratada.
Gente que pede apenas um poço para coleta, que dispensa o sistema de distribuição, porque aí seria pedir demais. Gente que não bebe mais a água fervida do seu rio, agora contaminado com mercúrio pelos garimpos ilegais.
É mesmo uma injustiça conhecer pessoas que sofrem com a constante ausência – longe de ser apenas uma falta – de energia elétrica. Logo no município com duas das maiores usinas hidrelétricas do Brasil, movidas por, vejam só, o mesmo rio que tangencia suas vilas.
Que seja. Levem as águas, mas nos deixem o sossego. Uma sociedade agredida, como esse senhor da foto de capa, surrado por coronhadas de espingarda por sequer reagir. Que mal lhe faria um senhor de 80 anos? O queria teria mais valor que a tranquilidade de um restinho da vida? Ele mesmo respondeu: um ventilador, produtos de sua mercearia e cento e poucos reais.
Sua esposa se esconde atrás das paredes de madeira da mercearia. Não sabia o que queria o rapaz que fotografava sua fachada, decorada com CDs colados nas ripas “A gente tem medo de todo mundo que não conhece”.


O que mais querem as famílias que escolheram a ausência da civilização urbana? Acesso à água pura. Um porto para escoar as melancias, mandiocas, açaí e outras produções que consumimos por aqui. Meios de virem enfrentar compridas filas do SUS, não maiores que as distâncias ao artigo 196 da Constituição (A saúde é direito de todos e dever do Estado […]). Querem um lugar para dispor seu lixo, para não poluírem ainda mais o Rio Madeira.
É o paradoxo da distância. Quanto mais nos afastávamos de Porto Velho, menos complexos eram os anseios. E mais distante estava a crença de que alguém faria algo por eles. O número de participantes das audiências públicas foi proporcional não a quantidade de moradores das vilas, mas sim à distância da sede.
Mas não se engane: eles sabem quem sobe o barranco para chegar às suas vilas. Olham nos olhos e agradecem por olhar por eles. Pedem bênçãos à Deus para que nos conduza de volta para casa e que nossos esforços resultem em mudanças para todos.
Interessante como a sociedade por lá funciona melhor do que aqui. O desejo é para todos e, quase nunca, para si. “Espero que meus netos possam crescer em uma realidade melhor”, me falou um senhor, em seus 50 e poucos anos, que ainda não tinha nenhum neto.
É desse jeito mesmo…tanta injustica, tanto esquecimento e esses heróis ainda conseguem extrair esperança do nosso trabalho. Espero do fundo do coração que todo o esforço daqueles que realmente estão engajados na revisão do PD possa ser revertido em melhorias pra essas comunidades que querem apenas sobreviver.
Belo texto sobre uma realidade dura. Mas que espero possamos mudar.
Grande texto Matheus…
É com pesar que descortinamos distritos tão sofridos com a falta de assistência… coisas basicas e essenciais. Estes portovelhenses são verdadeiros guerreiros em busca de um pouco de qualidade de vida e novas perspectivas…
Parabens pelo texto!!!
Muito interessante Matheus. Parabéns. É a dura realidade da vida cotidiana desses ribeirinhos esquecidos pelo poder público.
Amei! Mais do que escolher bem as palavras, voce fez uma descrição primorosa da percepção da vida ribeirinha … seu texto me transporta para sua indignação… um alívio saber que voce é jovem: tem muito o que fazer pela frente e é destemido!
Belo texto Matheus, nos vale uma reflexão sobre a realidade em que se encontra nosso município e o que queremos para o futuro dele e dos munícipes!!