Autonomia: a crise dos combustíveis e de todas as coisas – análise compreensível dos problemas de mobilidade urbana em Porto Velho

Enquanto aguardo na fila de um posto de gasolina de esquina bastante duvidoso, me arrependo, em partes, por depender da queima de combustíveis fósseis para me deslocar em Porto Velho. Tempos de crise. Caminhoneiros bloqueiam estradas estratégicas ao longo do país, como protesto contra o aumento dos combustíveis e outras cositas más. Todos os postos ficaram sem combustíveis na capital rondoniense. Antes disto, consumidores dependentes e mais ou menos instruídos pediam notas fiscais para ingressarem com reclamações no Procon pelo preço excessivo que pagaram. Enquanto isso, hasteiam-se bandeiras azuis e vermelhas em toda nossa extensão territorial. A diferença de quem as porta está diretamente relacionada à atribuição da temporalidade da culpa. Começam as suspeitas de locaute, da mão de empresários por trás dos pobres motoristas (como se nunca tivessem existido), e surgem tantas outras teorias que, sinceramente, não valem os clecks do meu teclado. O posicionamento superficial político do país anda bem mais em vogue do que a situação que também deveríamos estar prestando atenção: a dependência das estradas e dos combustíveis.

Meu tanque agora está cheio e eu continuo arrependido, em partes. Em partes porque a mobilidade urbana de Porto Velho não vai bem, obrigado. Isso somado à outros fatores nos fazem depender de veículos automotores próprios aqui. Dados do DETRAN-RO apontam que existe um veículo para cada duas pessoas em Porto Velho. Somos 500.000 habitantes, 250.000 veículos e uma parca frota de  linhas de ônibus para cobrir um perímetro urbano em um tabuleiro de 36 km2. As rotas são longas demais, as passagens são caras demais (no Brasil, transporte público está quase que intimamente relacionado à classe social). Os ônibus são precários os suficientes e as linhas possuem uma logística não-tão-lógica assim. Cenário ideal para uma dependência automotiva individual. 

Esta é uma breve análise dos motivos que levam os portovelhenses – e, acredito, diversos outros enses – a fazerem filas e esgotarem os reservatórios dos postos e dos tanques de seus veículos.

Climão no trânsito

Porto Velho foi premiada com uma umidade relativa do ar quase sempre alta, pra combinar com as temperaturas daqui. A umidade do ar só nos faz falta quando as temperaturas são as mais altas do ano. A escassez de árvores aqui nos irrita. Até mesmo o mais insensível dos vendedores de motosserras se comove a morte de mais um exemplar vegetal urbano. Mas o irritar que me refiro é outro. As pessoas aqui são mais irritadas pelo calor. Impacientes no trânsito, a maioria dos motociclistas (que já são quase maioria no trânsito), beneficiados pela falta de fiscalização e respeito com o coletivo, fazem de sinais de trânsito meros quebra-molas: reduzem a velocidade e passam (ou nem reduzem). Estão quase sempre com pressa de se livrar dos raios UV ou da chuva. Os culpo. A modalidade de locomoção escolhida não é a ideal para as intempéries locais. No entanto, a prefeitura tem mea culpa, seja na escassez arbórea, na falta de planejamento das linhas de ônibus, na inconsequência das imprudências, etc.

Os ônibus também queimam dinossauros

Ônibus também é gente e, gente como a gente, bebe. Mas a proporção litros x passageiro é bem menor que qualquer Honda Pop. Além disto, algumas cidades do Brasil, como Curitiba, estão adotando uma frota híbrida. Ônibus que se movem com biodiesel e energia elétrica são o começo de alguma coisa. No entanto, os passageiros em potencial daqui ainda preferem investir um pouco mais e não depender do transporte coletivo. Ônibus desconfortáveis, demorados e lotados não atraem portovelhenses indispostos a passarem parte do seu dia em tais condições. Por aqui, é comum vermos blitz policiais com foco em motos. Muitos condutores não estão habilitados em categorias “A” e entendem que viabilidade de se juntar os trocados do passe para pagar um financiamento de um veículo de aparente baixo custo compensa o risco da imperícia no trânsito ou da apreensão de suas motos. Os grupo de blitz do WhatsApp estão aí para evitar que isso aconteça.

Um jogo de xadrez

A última vez que vi, os dados estatísticos apontavam que cerca de 80% dos atendimentos no pronto-socorro da capital eram relacionados à acidentes de trânsito envolvendo motociclistas. O problema da indústria motorizada de duas rodas aqui foi criada pelo próprio governo e, coincidentemente, ficou ainda mais fácil ter a sua moto CG 125 cc, com parcelas pequenininhas que cabem no seu bolso. As rotas de ônibus de Porto Velho são longas, e não-objetivas. Centro-leste, centro-sul e centro-norte. Para sair da zona leste e ir para a zona sul, é preciso um trajeto quase-linear e fazer uma troca de ônibus no centro. A imagem deste post é um croqui componente do plano diretor vigente de Porto Velho, datado de 2008, e exemplifica perfeitamente como as rotas se concentram em um centro não tão mais centro de nossos destinos.

Nem sombra…

Experimente andar a pé em Porto Velho. A rala vegetação urbana nos torna mais íntimos do Sol e dos potenciais riscos de exposição ao calor e aos valores máximos diários recomendados de UV. A Organização Mundial da Saúde estabelece , no mínimo, uma árvore por habitante, ou 12 m2 de vegetação na cidade por cabeça, sendo o ideal 36 m2/hab (3 por morador). Não tenho acesso aos números locais, mas eis o que encontrei: 

Estocolmo , capital da Suécia, tem cerca de 86 m2/hab. A cidade brasileira com meta mais ousada atualmente é Campina Grande, na Paraíba, que estipulou o plantio de duas espécies por morador. Atualmente, tem 0,08 per capita, com déficit de 671.000 unidades. Enquanto isso, Curitiba, a 5a cidade mais arborizada do país, tem 23 dos seus 75 bairros com menos árvores do que o estabelecido pela ONU. Bairros nobres e centrais como Batel e Água Verde compõem a lista. Ainda sobre a capital paranaense, a prefeitura estima cerca de 1.000 plantios por mês, frutos de troca de espécies por outras mais adequadas ao meio urbano, pela criação de novas áreas verdes ou porque as que existem não estão acompanhando as mudanças da cidade (sombreamento excessivo decorrente dos prédios, calçadas mais estreitas, falta de manutenção nas que existem, etc). 

Árvores não são promessas de campanha, demoram pra crescer e custam caro. Equação perfeita para serem esquecidas ao longo dos mandatos. A cidade de Nova Iorque, por exemplo, estima um gasto de US$ 6,1 milhões por ano em vegetações urbanas. OK, é a maior do mundo. Mas as cidades brasileiras não sofrem tanta pressão por plantio assim. A alocação de verbas para fins ecológicos é tão rala quanto nossas florestas urbanas.

… nem água fresca

Por um tempo escolhi as sextas para ir de bicicleta ao trabalho. Era um ciclista ativo, de ir para as trilhas todo final de semana, então por que não? Bastou o primeiro dia para entender os porquês. No trânsito você tem que se fazer visto. Acenar, sinalizar e se comportar como um veículo qualquer é obrigação dos ciclistas. Mas, aquela história de respeitar o menor em nosso país quase nunca funcionou. Na verdade, é o contrário. Se um carro grande ameaça cruzar na sua frente você, de antemão, freia para não bater. Em um fluxo apressado, ultrapassar os mais lentos é obrigação. Check. Educação no trânsito é a parte mais fácil. Não tenho a visão de que o motorista arrisca a vida alheia por diversão. Basta explicar. Mas quem / quando / onde explica?

Fora isso, a falta de ciclovias e ciclofaixas contribuem para um trânsito misturado, inseguro. Ciclistas não fazem sua parte. Andam na contramão, furam sinais, ignoram as ciclovias e faixas. Senti muita falta também de outras estruturas complementares, como bicicletários e vestiários (eu já falei do calor daqui?). Vai por mim, dá muito trabalho. A conclusão que cheguei foi a de que um dia eu devo fazer isso, mas por enquanto eu, e nem os locais, estamos preparados para nos mover por catracas, correntes e pernas. E eu sei que estou errado.

Eu mandava, eu mandava ladrilhar

As condições da infraestrutura urbana são um post a parte. Mas, em se tratando de mobilidade urbana, o ir e vir portovelhense é muito prejudicado pelo resultado de vias de muito tráfego, muita chuva, pouca drenagem e pouca camada asfáltica. A situação se agrava com a ausência / descontinuidade das calçadas, em níveis e revestimentos variados, que chegam a mais atrapalhar do que ajudar.

Fim do corredor em terra da soja, a espinha dorsal da cidade, a Avenida Jorge Teixeira, recebe centenas de carretas diariamente, endereçadas aos portos da capital. Existe um projeto de desvio da rota dos caminhões, o Arco Norte, que foi aberto recentemente para direcionar os veículos aos novos portos e dividir opiniões. Ainda não asfaltada, a estrada que liga a BR-364, na altura do Distrito Industrial, aos novos portos, situados no norte da cidade, corta diversas propriedades particulares, causa represamento de corpos hídricos, estimula a construção em áreas fora do perímetro urbano e o polvilha com poeira o mais novo, moderno e bem preparado Hospital do Amor de Rondônia, ligado ao Hospital do Câncer de Barretos. Gol contra.

O mundo em 220v e a falta de energia na capital das três usinas

Elon Musk e a Tesla correm contra o tempo para viabilizar a frota de veículos elétricos no Vale do Silício. Hamburgo, na Alemanha, representa um grupo de cidade que decidiram banir carros do centro da cidade até 2000 e próximo. Uber estabeleceu 2025 como data limite para que seus motoristas londrinos adotem carros híbridos (e oferece ajuda financeira para troca). Outros países disseram que vão parar a produção de veículos movidos à combustíveis fósseis nos próximos 15 anos.

As usinas de Samuel, Santo Antônio e Jirau residem em nosso município. Fora a Usina Termoelétrica Termonorte movida a você-sabe-o-quê. Somos responsáveis pela produção de muitos por cento do consumo de todo o país e, ainda sim, temos velas em casa. A vela que se acende para a escuridão é a mesma que se acende para a Eletrobrás resolver a interrupção no fornecimento de energia elétrica.

Enquanto isso, startups mundo afora exploram as tecnologias existentes e criam veículos portáteis movidos à energia elétrica. Estes têm sido opções complementares em cidades com bom atendimento de transporte público. Skates, bicicletas e outras pequenas rodas agora se conectam na tomada e deslocam pessoas entre destinos próximos, pontos de ônibus e de metrôs.

A proposta de Musk é de você pagar um valor pelo carro e nada mais. O feliz proprietário de um Tesla abastecerá gratuitamente nos vários postos de recarga de veículos. O ousado chegou. O caminho a ser percorrido para que isto aconteça no Brasil é kwhmétrico. O buraco é mais embaixo. Mais precisamente, abaixo do pré-sal.

Até porque por aqui pouco se ouve falar em tais inovações. Mas é questão de tempo até que a onda elétrica nos atinja. E as startups, o empreendedorismo e a inovação acabam superando a preguiça política. Tá aí o Uber que não me deixa mentir.

Acredito em um futuro próximo de adaptações das cidades do estado atual para um melhor, acompanhando as tendências da ciência e tecnologia. Mas, até lá, eu sigo colocando o ponto morto e economizando meu combustível (não disse qual).