O imperfeito é melhor que o perfeito

Minhas manhãs começam com um comprimido seco de 25 mcg de levotiroxina goela abaixo. É um remédio que tomo para controlar o hipotireoidismo subclínico que tenho. Ele passa um recado pra minha tireóide, mas também para mim, logo cedo: você não é perfeito. Isso me traz um alívio instantâneo. 

Sair da cama sabendo que não preciso ser nem parecer perfeito faz do meu mundo menos complicado. Afinal, se algo não der certo, tudo bem, não sou mesmo perfeito.

Todas as manhãs, antes de sair de casa, admito para mim a minha imperfeição. E isso faz do meu dia melhor, algo mais próximo do que se espera de um dia perfeito. O imperfeito me aproxima do perfeito.

Uma vez me disseram que isso é como admitir a derrota antes mesmo de começar. Queria saber o que e com quem eu ando competindo, e qual seria o prêmio, afinal.

Em um mundo em que cada vez mais, nos exige perfeição – mas não nos dá ferramentas para isso, admitir a imperfeição não chega nem perto de ser um ato de rebeldia ou de coragem. É uma manutenção preventiva, um motivo de bolso para pegarmos mais leve com a gente mesmo. Um mantra mudo que devemos ter todas as vezes que nos compararmos com nossas timelines do Instagram, ou caso não atinjamos as metas no trabalho, a expectativa alheia, o peso na balança, a meta de atividades do smartwatch, o número de páginas lidas, o número de curtidas ou qualquer que seja sua linha de chegada de hoje. 

Ser imperfeito é dizer dane-se com “F” ao mundo.

Há um conceito na cultura japonesa chamado de wabi-sabi. De maneira bastante simplificada, wabi-sabi representa uma abordagem estética, uma visão de mundo pautada na aceitação da transitoriedade e imperfeição. O belo imperfeito, impermanente e incompleto.

Nessa concepção estética, a beleza de tudo está em sua assimetria, simplicidade, rugosidade e irregularidade, conceito esse que conflita, em partes, com o entendimento do belo do lado ocidental do mundo, graças aos padrões matemáticos, às proporções e alinhamentos trazidos pelo Renascentismo para a arte em meados do século XV.

Há, também, uma arte chamada de Kintsuji, que é a arte de reparar uma peça de cerâmica quebrada com laca, misturada com pó de platina, prata ou ouro (!) que, por sua vez, se relaciona com a filosofia de Mushin, de não-importância, não-apego, aceitação da mudança e dos aspectos da vida humana.

As cerâmicas reparadas pela técnica de Kintsuji passam a ter um valor muito maior do que antes de terem sido quebradas, não somente pelo material da emenda, mas por elas carregarem agora, em si, as marcas de um evento, uma cicatriz que não as impedem de exercerem sua função.

Assim somos nós.

Reconhecer nossos acidentes, aceitar nossas histórias e limitações, aceitar a vida em si, é nossa maneira de nos repararmos com ouro. Praticar a não-importância é uma maneira bonitinha de tocar o dane-se (com “F”) de vez em quando, sempre que necessário.

Aceitar a mudança é um desafio, mas é um alívio também. Saber que seu pior problema hoje não doerá para sempre é um comprimido seco que você deve tomar todo dia pela manhã.

Saber que sua maior alegria hoje não durará para sempre também é duro de engolir. Aceite a vida, então.

Memento mori; memento vivere. Do latim, “lembre-se que você vai morrer; lembre-se de viver”.